Pedro Coutinho/Olhar Direto
A defesa da bombeira Nataly Helen Pereira, acusada de matar a adolescente grávida Emelly Sena, de 16 anos, e retirar o bebê de seu ventre, sustenta que ela não pode ser responsabilizada criminalmente porque, no momento do crime, não tinha plena capacidade de discernimento. Os advogados Ícaro Vione e André Luís Melo Fort, que representam a ré, explicaram em entrevista ao Olhar Jurídico os argumentos usados no pedido apresentado à 14ª Vara Criminal de Cuiabá. Eles pedem que Nataly não seja julgada pelas regras comuns da Justiça, mas sim submetida a uma medida de segurança com internação psiquiátrica, em vez de permanecer presa.
Segundo os advogados, a defesa se baseia em um conjunto de relatos clínicos e psicológicos obtidos com familiares, com a própria acusada e a partir de observações feitas após sua prisão.
Um dos principais pontos apresentados é o relato de um histórico de abuso sexual dentro da família na infância de Nataly. De acordo com a defesa, os abusos teriam sido cometidos por um tio e se estenderam por anos. Esse trauma, segundo os advogados, deu início ao agravamento da saúde mental da bombeira, resultando em transtornos psiquiátricos e emocionais que teriam contribuído diretamente para a prática do crime.
Ícaro e André também afirmam que, ao longo da vida, Nataly enfrentou crises de depressão, pensamentos suicidas, tentativa de tirar a própria vida e a perda de um filho, anterior ao caso atual. Essas vivências, ainda de acordo com os defensores, provocaram desequilíbrio emocional e psicológico grave, com episódios de surto, delírios e confusão mental — o que representaria risco tanto para ela quanto para outras pessoas.
Familiares da ré relataram situações em que ela demonstrava ideias desconexas, confundia fantasia com realidade e apresentava um comportamento obsessivo relacionado à maternidade — especialmente com o desejo de ter uma filha. Durante visitas à cadeia, os próprios advogados afirmam ter presenciado falas confusas e pensamentos sem sentido.
Para comprovar esses argumentos, a defesa aguarda o resultado de um laudo médico oficial. O pedido de perícia foi feito para investigar o estado de saúde mental da acusada, mas foi negado pela Justiça. Os advogados informaram que pretendem recorrer da decisão. Além disso, pretendem reunir testemunhos e documentos que ajudem a contextualizar a vida e os traumas de Nataly, compondo um conjunto de provas que sustente a tese de inimputabilidade — ou seja, de que ela não pode responder pelo crime como uma pessoa plenamente consciente.
“Não estamos buscando impunidade”, afirmam os defensores. “A internação psiquiátrica é uma forma de responsabilização adequada ao caso dela. Além de preservar a saúde da ré, também protege a sociedade.”
A defesa ressalta que a medida de segurança, diferente da prisão comum, não tem um tempo máximo de duração. Ela pode ser reavaliada periodicamente, com base no risco de a pessoa voltar a cometer crimes. Os advogados argumentam que manter Nataly no sistema prisional tradicional poderia piorar ainda mais seu estado mental e colocar em risco outras detentas.
Como crítica à estrutura do sistema penal, os defensores citaram o caso do “Maníaco do Parque”, condenado a 280 anos de prisão, mas com previsão de liberdade em 2028, devido ao limite legal de 40 anos de pena no Brasil e outros benefícios previstos em lei.
Na avaliação da defesa, caso Nataly seja condenada à prisão, poderá voltar ao convívio social em menos de 20 anos — o que seria preocupante, segundo eles, por causa do seu quadro psiquiátrico. Nesta semana, a 14ª Vara Criminal de Cuiabá negou o pedido de exame de sanidade mental, manteve a denúncia e a prisão da acusada, e também rejeitou os pedidos de perícia e reconstituição dos fatos. A defesa informou que já está preparando um recurso.
O crime
Nataly está presa preventivamente desde 12 de março. Na data, ela atraiu Emelly Sena até sua casa, no bairro Jardim Florianópolis, em Cuiabá, alegando que doaria roupas para o bebê da adolescente. Grávida de nove meses, Emelly foi imobilizada e asfixiada. Com a vítima ainda com sinais vitais, Nataly improvisou uma cesariana e retirou o bebê, que sobreviveu. Depois, enterrou o corpo da adolescente no quintal e foi até um hospital, alegando ser a mãe da criança.
A investigação revelou que Nataly, mãe de três meninos, desenvolveu uma obsessão por ter uma filha. Após realizar uma laqueadura, ela passou a procurar gestantes de meninas em grupos de doações. A Polícia Civil encontrou indícios como falsificação de exame de gravidez, tentativas de apagar provas e uso do celular da vítima para despistar a família.
O Ministério Público denunciou Nataly por diversos crimes, incluindo feminicídio e ocultação de cadáver, e afirmou que o ato foi premeditado e cometido com total consciência. Segundo o promotor Rinaldo Segundo, a motivação do crime foi o desejo de se apropriar do bebê, com desprezo pela condição de mulher da vítima.
A Justiça já aceitou a denúncia e negou, de forma preliminar, o pedido para considerar Nataly inimputável. A defesa recorre, e o processo segue em andamento na 14ª Vara Criminal de Cuiabá.