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AGRONEGÓCIOS Segunda-feira, 21 de Outubro de 2024, 15:26 - A | A

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AGRONEGÓCIOS / INOVAÇÃO

Clonagem de animais: saiba o que prevê a regulamentação que pode virar lei

Proposta aprovada na Câmara traz parâmetros para uso de material genético e de clonagem de animais de uso comercial.

AgroEstadão



Em julho de 1996, nascia na Escócia o primeiro clone de um mamífero, a conhecida ovelha Dolly. Até hoje, o feito é considerado um marco científico. Mas na época, suscitou alguns pontos de discussão sobre a clonagem, tanto de animais quanto de humanos. Depois de quase 30 anos, as técnicas de clonagem avançaram e, na última quarta-feira, 16, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que regulamenta o controle e fiscalização da clonagem de animais domésticos no país – usados na pecuária, como bois, cavalos, cabras e búfalos.

A proposta estava em tramitação desde 2013 e, segundo especialistas, traz bases legais não só no campo dos clones mas, principalmente, em aspectos envolvendo a reprodução de animais. Como explica o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Recursos Genéticos e Biotecnologia, João Henrique Viana, a clonagem acabou sendo incluída no texto e, por isso, ganhou notoriedade. Isso devido a uma percepção coletiva ainda baseada nos primeiros experimentos feitos.

“A questão mais sensível foi relacionada ao bem-estar e muito condicionada pela percepção que a gente tinha do início da clonagem em que você tinha uma técnica sendo criada. Esses processos já melhoraram muito em relação ao que era há 20 anos atrás”, comenta ao Agro Estadão. “Ficou muito condicionada por aquelas primeiras notícias que saíram do envelhecimento precoce, dos problemas relacionados à perda de gestação”. 

Ele também lembra do clima após a primeira clonagem com mamíferos. “Ainda fica aquela percepção, aquele medo, principalmente, depois do nascimento da Dolly, que teve todo aquele temor da abertura de uma porta para clonagem humana. O que nunca aconteceu. Era um temor infundado que nunca se materializou, mas fica isso do subconsciente coletivo”, completa.

O que a nova legislação traz sobre a clonagem?

Um primeiro ponto colocado pela assessora técnica da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Kalinka Konza, é que a lei brasileira já permitia a clonagem de animais. Essa proposta apresentada não trata sobre a liberação, mas sim de uma regulamentação no sentido de fiscalizar a atividade. Antes, não havia uma determinação legal sobre o tema e o projeto de lei confere essa atribuição aos órgãos públicos, como o Ministério da Agricultura e Pecuária. 

Além disso, a nova regra determina que os animais clonados sejam registrados em um banco para a comprovação da qualidade, das informações genéticas, além da garantia de identidade desses animais. Ainda sobre isso, essa identificação e controle será durante todo o ciclo de vida do clone. 

O regramento responsabiliza os fornecedores, caso haja danos provocados ao meio ambiente, à sanidade animal e humana ocorridos durante a produção, manipulação e comercialização dos clones. Outro aspecto é que o fornecedor também será corresponsável, caso permita o desenvolvimento de clones a partir de material genético com propriedade e origem não comprovadas oficialmente.

Entre as penalidades, estão a perda do registro, interdição da propriedade, esterilização dos clones e multas. Os valores da multa serão determinados pelo órgão fiscalizador responsável e podem variar entre R$ 1.500 a R$ 1,5 milhão.

Há risco ao comer carne de boi clonado?

Não. Embora comer carne de um animal clonado seja uma raridade. Como explica o diretor técnico da Geneal – Biotecnologia Animal, Rodolfo Rumpf, esses animais são o topo da pirâmide do melhoramento genético, já que são poucos e são clones de animais referência. 

“É importante deixar claro que o clone não é um animal transgênico, não altera a molécula do DNA. Não se conseguiu provar nada até hoje que o consumo de carne de clones possa ter algum risco. […] Na verdade, o que se está multiplicando são as matrizes e os touros que vão produzir os gametas dos animais que vão para o abate”, esclarece. Além disso, muitos criadores desenvolvem uma afeição pelos clones e a tendência é que morram na propriedade.

O pesquisador da Embrapa descreve como é feito o processo de clonagem. “O que é feito hoje, a gente chama de transferência nuclear somática. Consiste em você tirar o núcleo, o material genético de uma célula do animal que você quer clonar e inserir esse material genético num óvulo receptor. Houve uma melhora muito grande no entendimento de como funcionam aqueles eventos relacionados à programação e ativação do DNA e que fizeram com que a gente tivesse uma melhora grande em relação à eficiência em relação ao que era [o processo]”, conta Viana.

Ganhos para o produtor rural

Apesar da clonagem ser a tecnologia que mais chama atenção no pacote regulamentado, os especialistas afirmam que ela não é o mais fundamental para o produtor rural. Essa legislação cria um marco legal para tecnologias envolvendo a manipulação do material genético de animais domésticos. 

A assessora da CNA comenta que a normativa vem para fazer uma atualização de leis antigas sobre isso. “Antes, o que era referido ao material genético era somente sêmen”, pontua Konza. Com o desenvolvimento de novas técnicas de reprodução, a fertilização in vitro, foi preciso rever a legislação antiga. Outro item tocado pela especialista é a permissão da comercialização desse material genético por pessoas físicas. 

“A principal alteração é trazer essa questão de que antes era possível comercializar material genético somente por pessoas jurídicas, o que aumentava o custo, era mais burocrático e oneroso, para se conseguir esse sêmen. Hoje quem ganha são os produtores, porque com essa permissão para pessoas físicas, esse processo para adquirir material genético, principalmente, para pequenos e médios produtores, isso vai facilitar”, indica a assessora. 

O diretor técnico da Geneal, que atua desde 2009 no mercado, também vê vantagens como a troca de tecnologia entre os países e uma oportunidade para ampliação das exportações brasileiras. “[Essa nova lei] abre muito espaço para a gente poder exportar e estabelecer protocolos bilaterais com outros países. Põe o Brasil no Mapa dos países que dominam essa tecnologia”, diz Rumpf. 

CFMV vê ponto de atenção na proposta para clonagem de animais

Na opinião do médico-veterinário e presidente da Comissão Nacional de Bioética do Conselho Federal de Medicina Veterinária, Wesley Ribeiro, a proposta ainda precisaria de um detalhamento quanto à atuação dos profissionais. Como a normativa deixa brechas, esses aspectos podem ser sanados com a regulamentação da proposta, que ainda será feita pelos órgãos federais  

“Senti falta de saber quem será responsável técnico por toda essa cadeia. A questão da supervisão vai caber aos serviços veterinários oficiais, mas quem é o profissional envolvido nisso? A gente sempre pensa nisso para não ficar tão aberto. A lei poderia trazer quem são os profissionais envolvidos, não só os veterinários. […] Tem toda uma cadeia de profissionais que poderia atuar nesse processo de rastreio, industrial, sanitária, produtiva. Mas essa questão pode vir com a regulamentação da lei. Nesse processo, podem vir essas diretrizes”, afirma Ribeiro ao Agro Estadão. 

Além disso, outra questão criticada é a referência de clonagem de animais silvestres. A norma não regulamenta a prática, mas aponta que a clonagem desses animais para fins comerciais dependerá de aprovação dos órgãos ambientais federais. Na votação em Plenário da Câmara dos Deputados, parlamentares tentaram tirar trechos que tratavam do assunto, mas não conseguiram. 

Mesmo aprovada pelo Congresso Nacional, a lei ainda precisa passar pela sanção presidencial, etapa em que pode sofrer vetos. Se sancionada, a legislação entrará em vigor após 90 dias da data da publicação no Diário Oficial da União.



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