G1
O dólar disparou nesta quarta-feira (27) e chegou ao maior valor nominal da história: R$ 5,9124. A cotação bate o recorde anterior, registrado em maio de 2020, em meio à pandemia de Covid, quando a moeda americana atingiu R$ 5,9007.
A expressiva alta do dólar aconteceu assim que veio à tona uma notícia de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve anunciar a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil por mês a partir de 2026. Essa é uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Acontece que o mercado financeiro esperava há semanas os detalhes de um pacote de corte de gastos públicos por parte do governo federal, que precisa reduzir as despesas para cumprir a meta de zerar o déficit público em 2024.
A meta fiscal para 2024 e 2025 é de déficit zero — ou seja, de igualar receitas e despesas para não aprofundar a dívida federal.
Haddad fará um pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão nesta quarta-feira. O tema do discurso não foi detalhado pelo governo, mas esperava-se que tivesse a ver com os cortes. A notícia de que a isenção de IR entraria no anúncio foi confirmada pelo blog da Julia Duailibi, em apuração de Gerson Camarotti e Guilherme Balza.
Atualmente, estão isentos os contribuintes que ganham até R$ 2.259,20 mensalmente. Caso se concretize, a leitura é que o anúncio deve acabar se sobrepondo à divulgação das medidas de cortes de gastos e representaria uma renúncia de impostos tamanha que dificultaria o cumprimento das metas do arcabouço fiscal no futuro. (entenda mais abaixo)
Com a virada do mercado, o Ibovespa, principal índice acionário da bolsa de valores brasileira, também sofreu uma forte queda.
Dólar
O dólar fechou em alta de 1,80%, cotado a R$ 5,9124. Na máxima do dia, bateu os R$ 5,9288. Veja mais cotações.
Com o resultado, acumulou:
Alta de 1,70% na semana;
Ganho de 2,27% no mês;
Alta de 21,84% no ano.
No dia anterior, a moeda norte-americana fechou em alta de 0,04%, cotada a R$ 5,8080.
Ibovespa
O Ibovespa encerrou em queda de 1,73%, aos 127.669 pontos.
Com o resultado, acumulou:
Queda de 1,12% na semana;
Perdas de 1,57% no mês;
Recuo de 4,85% no ano.
Na véspera, o índice fechou em alta de 0,69%, aos 129.922 pontos.
O que está mexendo com os mercados?
O real tem sofrido uma desvalorização acentuada há semanas, conforme aumenta a cautela dos investidores com a condução das contas públicas brasileiras. Quando os gastos públicos estão elevados, o mercado passa a desconfiar da capacidade do país de arcar com suas dívidas no médio e longo prazo.
Havia uma grande expectativa do mercado financeiro de que a equipe econômica do governo federal apresentasse algum pacote de cortes nos gastos públicos logo após o segundo turno das eleições municipais no Brasil. Foram vários adiamentos desde então.
Nesta quarta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que faria um "pronunciamento à Nação" em cadeia nacional de rádio e televisão. O tema do discurso não foi detalhado pelo governo. Uma imagem foi divulgada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, no entanto, com o lema: "Brasil Mais Forte. Governo eficiente. País justo."
Segundo o ofício do governo enviado à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o pronunciamento tem 7 minutos e 18 segundos de duração.
Com uma grande espera do mercado pelo anúncio de um novo pacote de cortes de gastos pelo governo, a notícia, que tinha tudo para ser bem recebida pelos investidores, se mostrassem um comprometimento do governo em cumprir com o arcabouço fiscal (conjunto de regras de equilíbrio orçamentário). Mas o efeito foi o contrário.
Com os rumores de que Haddad também deve anunciar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês a partir de 2026, os agentes entendem que o pacote de cortes pode perder a força, e até comprometer a trajetória da dívida pública no futuro.
Segundo a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese, se de fato acontecer, a medida, que era uma promessa de campanha de Lula (PT), será considerada uma vitória da ala política do governo, já que tudo indica que a equipe econômica foi contra o anúncio neste momento.
De acordo com a economista, a estimativa é que a medida, se aprovada, poderá custar R$ 40 bilhões por ano aos cofres públicos.
"Ou seja, o dia, que deveria ser marcado pelo esperado pacote de contenção de despesas, poderá contar também com um aumento considerável nos gastos do governo. Na dúvida sobre se o anúncio será conjunto ou não, e sobre se o financiamento da isenção do IR será outro além do pacote de gastos, o mercado, claro, se posicionou de forma bastante defensiva", explicou Veronese.
A leitura, segundo a economista, é que se o financiamento da isenção de IR vier do pacote de gastos, o valor de R$ 70 bilhões "passa a ser irrisório".
"O que se viu a partir de então foi uma escalada do dólar, a abertura dos juros e a queda na bolsa. A única coisa que nos resta é aguardar pelo pronunciamento de Haddad e entender as medidas, as fontes de financiamento e a estrutura do pacote", acrescentou.
Apesar de o detalhamento do pacote ainda não ter sido anunciado pelo governo, já se especula no mercado, pelas apurações da imprensa ao longo dos últimos dias, de onde deve vir a contenção de despesas.
Entre as medidas previstas, estão:
A inclusão da política de aumento do salário mínimo nas limitações do arcabouço fiscal; na prática, o mínimo poderá ser reajustado em patamares inferiores aos atuais;
Uma proposta, enviada ao Congresso, para acabar com salários acima do teto constitucional, os chamados supersalários;
Um chamado para que beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), atualizem seus dados, caso não o tenham feito nos últimos dois anos;
E mudanças nas regras de aposentadorias e pensões dos militares.
Na última sexta-feira (22), o governo já anunciou um bloqueio de R$ 6 bilhões no Orçamento deste ano. Com isso, o governo totaliza R$ 19,3 bilhões já bloqueados nos últimos meses para tentar compensar o avanço das despesas obrigatórias, como gastos com a previdência.
Mesmo assim, o mercado ainda aguarda as demais medidas para entender como o governo pretende lidar com as contas públicas nos próximos anos.
A ideia é que, com os cortes, o governo consiga equilibrar a situação das contas públicas e honrar o arcabouço fiscal. Contas mais controladas são bem vistas por investidores porque aumentam a confiança de que o país será capaz de arcar com suas dívidas.
A decisão de atrelar o anúncio ao pacote de cortes tem como objetivo passar a mensagem de que o governo Lula não está fazendo o ajuste fiscal apenas em cima dos mais pobres.
O custo estimado para a isenção é de R$ 50 bilhões por ano, que supera a economia prevista com as medidas de contenção de gastos, entre R$ 30 bilhões e R$ 40 milhões.
Segundo Matheus Pizzani, economista da CM Capital, o mercado recebe negativamente a notícia da isenção porque "não tem como pensar em um cenário em que essa isenção vá beneficiar o consumo das famílias em um nível suficiente para compensar o que seria ganho através da cobrança do imposto de renda para essa população".