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POLÍCIA Domingo, 02 de Março de 2025, 14:37 - A | A

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POLÍCIA / REVOLTA NO CÁRCERE

Presidiário em MT afirma que vão sair com o ‘coração só o ódio’

Outro afirma que são tratados como bicho na PCE

Aline Almeida/GD



Estado promove uma guerra que pode terminar com sangue inocente. A declaração é de um reeducando da Penitenciária Central do Estado (PCE) ao desembargador Orlando Perri, durante fiscalização na unidade. Outro afirma que são tratados como bicho e questiona como vão sair da unidade, com o “coração só o ódio”. Os relatos dos presos da maior unidade prisional do Estado, quase que unânimes, vão desde comida podre, torturas, falta de atendimento de saúde, água com cheiro de esgoto e diversos outros problemas, agravados ainda mais com o fechamento do “mercadinho” no presídio.

As declarações integram relatório elaborado pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (GMF), que afirmou, na conclusão, que em Mato Grosso não existe um sistema de execução penal, “mas sim um mecanismo de exclusão e degradação, onde a pena privativa de liberdade é transformada, na prática, em um castigo medieval, que nada tem a ver com o propósito de reinserção social”.

Em um dos diálogos com Perri, um dos presos é indagado sobre as condições da PCE e logo fala sobre as consequências, que podem acabar impactando pessoas inocentes. “O que está acontecendo dentro do sistema carcerário hoje, não é briga entre o sistema, não é briga entre facções, porque cada um tem seu espaço. O que está acontecendo é o próprio Estado promovendo uma guerra. O Estado está querendo colocar facções rivais uma contra a outra. Pra quê?”.

O reeducando, identificado como Daniel Bento, afirma que o governo, dentro do gabinete, “manda colocar duas facções juntas, duas rivalidade”, se referindo ao Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital (PCC). “E se caso as duas se reunirem também? Porque preso não gosta ser oprimido. Nóis já é oprimido! E agora, o Estado oprimindo nóis? As duas podem atacar o Estado” (sic).

Ele continua afirmando que quem vai perder vai ser a população, as “pessoas de bem” que andam na rua. “São pessoas trabalhadeiras, que não têm nada a ver. Por quê? Porque o governo está dentro do quadrado dele, dentro do quarto dele lá, só passando ordem. Quem vai morrer, vai ser policiais, vai ser preso, vai ser agente penais. É isso que ele quer, ele quer chamar uma atenção. Ele quer promover uma guerra?” (sic).

Outro reeducando aponta torturas, comida de má qualidade e a necessidade de melhorias para que de fato haja ressocialização. “Aqui nóis tá vindo para pagar pelo nosso crime que nóis feis na rua, certo? Pra nóis sair na rua, construir nossa família, toca nossa vida, mas do jeito que eles estraga nóis aqui, nóis vai sair daqui parecendo um bicho! Só o ódio, porque eles tá judiando de nóis demais, tá entendo? Nóis já está pagando o nosso crime, nóis já está sofrendo, está longe da nossa família, aí chega aqui eles fica torturando nóis aí fica complicado. Como que a gente vai sair daqui com o coração bom? Nóis vai sair com o coração daqui só o ódio” (sic).

TORTURA

Mistura batizada como “chantilly”, proveniente de creme com spray de pimenta esfregada nos olhos dos reeducandos, tiros com bala de borracha e até uma contenção que no dia 04 de março de 2023 que terminou na morte do reeducando Ricardo Ferreira dos Santos são alguns dos apontamentos de torturas que, segundo os presos, ocorrem há anos.

Torturas que tornam ainda mais presentes a cada fiscalização do judiciário. Os penitentes afirmam que a cada denúncia, sofrem represálias que para além das agressões e xingamentos, têm roupas, chinelos e outros objetos jogados.

Num dos raios onde o desembargador Orlando Perri esteve conversando com os reeducandos, o clima era de temor. Ao indagar ao grupo de presos se eles tinham roupas, um deles faz gesto com as mãos e orienta os outros a “irem devagar” com as palavras, porque depois da saída do juiz, eles seriam agredidos pelo que falassem.

“Não adianta fala isso aí, porque amanhã eles entram de novo. Igual no dia que tomei o tiro”, diz um dos presos, que logo é questionado por Perri de quando isso aconteceu. “Na última geral. Tiro de borracha”, responde.

Outro preso confirma as agressões. “Quando vocês vieram aqui mês passado, aí a gente relatou o que estava acontecendo. No outro dia eles entrou aqui, atirando em todo mundo, batendo em todo mundo” (sic).

Um terceiro preso complementa: “Nóis fica com medo. Vocês vêm hoje aqui, nós reclama, amanhã eles tira todo mundo pelado, arrebenta nós no pau, entendeu? Quebra nós no pau. Faz vira a bunda pra eles. (...) Eles faz um chantilly, pega o chantilly e enche o olho da gente. Que é o creme com o spray de pimenta, e passa no olho da gente”, frisou.

SAÚDE

“Para sair daqui, só desmaiado”, afirma um preso sobre a falta de atendimento de saúde. Um reeducando, diagnosticado com câncer de próstata há três anos, diz que o máximo que recebe é uma dipirona para dor. Apesar de, segundo ele, o médico marcar uma cirurgia, o presídio afirmou que não teria condição de oferecer o tratamento.

O rol de reclamações incluem ainda portadores de HIV sem consulta há mais de 1 ano e 6 meses, dependentes de insulina sem medicação e até detento que, por infestação no local, uma barata acabou entrando no ouvido e, mesmo assim, não recebeu atendimento.

“Muita barata, muita barata. Entrou uma barata no meu ouvido e tem um mês que estou mandando ‘bereu’ para enfermaria, e não me tiram para atendimento. Olha como está inchada a minha orelha”, mostra o preso ao desembargador.

ÁGUA

Num dos diálogos entre o desembargador e reeducandos, o magistrado questiona sobre a qualidade da água. “Só cheira aqui para o senhor vê a água, só cheira. Isso aqui é o que nóis bebemos” (sic), diz um dos presos. Perri cheira e logo reage: “Vixe, Maria! Fedida. É essa água que vocês bebem?”. Um preso ainda brinca com a situação: “Nóis aqui, recuperando da PCE aqui, oh aqui o nosso whisky que o Mauro Mendes fala que nóis toma? Água podre” (sic).

E para não ficarem sem água para a limpeza do espaço, os presos confirmaram que improvisaram uma “porca”, que são sacos de lixos usados para armazenar a água, que é abastecida uma vez ao dia, por cerca de 20 minutos. Entre os presos, a reclamação é geral em relação à qualidade da comida que, segundo eles, piora a cada dia.

“Então, não tem como utilizar uma comida dessa que o Estado oferece para nós. Tudo podre. Tudo sem higiene, sem nada. Vem com barata. Vem com pele. Vem com tudo, entendeu? A situação aqui está desumana. É uma situação que não está dando para segurar. Já teve ruim, mas pior que isso nunca teve não”.

Outro lado

Presidente do Sindicato dos Policiais Penais do Estado de Mato Grosso, Amaury Benedito Paixão das Neves ressalta que é pouco provável que estejam ocorrendo torturas na PCE por parte dos policiais penais, pois o local é monitorado. Segundo Neves, a categoria não teme investigação. A Secretaria de Estado de Justiça afirmou que todas as denúncias feitas de forma oficial são encaminhadas para apuração pela Corregedoria da pasta.

Sobre as denúncias sobre os itens de limpeza e higiene, frisa que fornece os kits necessários aos reeducandos em todas as unidades prisionais. Sobre a qualidade da água, a pasta confirma que foi adotado um Plano de Ação Emergencial, com a limpeza e desinfecção nas caixas d’água da PCE. Uma nova vistoria foi solicitada à Vigilância Sanitária de Cuiabá, a fim de atestar a qualidade da água na penitenciária.

“Já em relação ao fornecimento de alimentação aos reeducandos, a Controladoria-Geral do Estado (CGE) acompanha vistorias nas fornecedoras das refeições, para atestar a qualidade dos alimentos”, informou.



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