G1
Um vídeo publicado nas redes sociais da igreja evangélica Catedral da Família, em Palmas, gerou polêmica pelo uso de expressões consideradas homofóbicas e foi denunciado ao Ministério Público Estadual (MPTO) pelo Coletivo SOMOS, eleito vereador em Palmas. Segundo a denúncia, o pastor responsável pelo culto, Luiz de Jesus, usou uma adolescente de 13 anos para realização de uma suposta 'cura gay', ao dizer que estava tirando o 'demônio' do corpo da menina.
Em entrevista ao g1, o pastor Luiz negou todo o teor da denúncia, afirmando que não houve nenhuma ação relacionada a discriminação.
"Na minha igreja, talvez ninguém sabe, tem casal de homossexual que é meu amigo, eu tenho acho que cinco ou seis homossexuais na minha igreja". E complementou: "Estão desvirtuando a coisa, estão jogando para outro lado. Eu não tenho nada contra ninguém" (veja mais detalhes do posicionamento abaixo).
O vídeo com imagens da adolescente foi postado no perfil da igreja, que possui quase 440 mil seguidores somente no Instagram. Mas a fala do pastor gerou grande repercussão negativa pelo conteúdo. Entre as expressões usadas pelo pastor que causaram debate nas redes sociais estão:
"Um demônio que gritou e disse assim: 'muda seu sexo'. Mas a vontade é cortar o cabelo e deixar igual o meu".
"Jesus gritou na minha alma vai casar com homem, vai ter filhos. A partir de hoje vai se vestir igual mulher. Porque Jesus arranca o demônio lá de dentro agora".
A família envolvida na situação não terá os nomes e imagens divulgados nesta reportagem. No vídeo, o pastor perguntou para a mãe o que a menina teria dito com relação à sexualidade. Segundo a mãe, a adolescente teria afirmado que teve um pesadelo em que teria desejo por mulheres.
O pai também chegou a afirmar que a menina teria sentimento por colegas e que a família estava em fase de aceitação sobre a situação. O pastor, por sua vez, diz que, a partir daquele momento, veria a menina com itens femininos.
Com a oração, as frases de efeito do pastor e o depoimento dos pais, a menina, aos prantos, disse: "A partir de hoje, a minha vida é mudada. Eu sou mulher e eu aceito o que Deus tem para mim".
O vídeo foi gravado no dia 26 de novembro e postado no dia seguinte, segundo o pastor Luiz. A publicação teve grande número de comentários negativos sobre a ação. Por isso, o pastor informou que, algumas horas depois, resolveu apagá-lo. Inclusive, o próprio Instagram teria avisado à conta da igreja sobre problemas com os comentários da publicação, mesmo após a exclusão do vídeo.
Em entrevista ao g1, o pai da adolescente afirmou que a edição do vídeo, feita pela própria igreja, gerou um entendimento errado do contexto do culto, mas afirmou que por serem cristãos, a família vive conforme os ensinamentos da Bíblia. Ele destacou que quando o pastor fala de 'demônios', não diz respeito à homossexualidade, mas às figuras que a filha estava vendo em pesadelos.
"A questão lá era da insônia, que ela estava sem dormir há uns três ou quatro meses, ela acordava no meio da noite com pesadelos. De repente ela foi lá na frente e pediu uma oração [...] Em nenhum momento foi aliada a palavra demônio com escolha sexual", afirmou o pai.
Ele também afirmou respeitar a atuação do Coletivo que denunciou a situação ao Ministério Público, mas citou que o episódio religioso que envolveu sua filha está dentro do direito de culto, previsto na Constituição Federal.
"Acho que eles estão no papel deles, senão eles não estariam na política. Eles têm uma bandeira, que é defender a diversidade sexual. [...] Só que eles têm que entender que existe o direito de culto, porque senão nós não estaríamos na igreja se a gente não concordar com a Bíblia", completou.
Denúncia feita pelo Coletivo SOMOS
O Coletivo SOMOS (PT) protocolou no Ministério Público, no dia 29 de novembro, uma denúncia contra o pastor a respeito do que ocorreu no culto com a adolescente e também sobre a possível prática de curandeirismo, relativa a outro vídeo, em que uma idosa vomita em um balde e o pastor diz que ela 'vomitou o câncer'.
Para o Coletivo, o pastor utiliza discursos que associam a orientação sexual à possessão demoníaca, tratando-a como uma condição a ser “corrigida” por intervenção divina. Também estaria promovendo a violação de direitos contra a comunidade LGBTQIA+ com discursos homofóbicos.
“A divulgação dessas práticas reforça discriminações e agrava o sofrimento psicológico da comunidade LGBTQIA+, além de colocar vidas em risco ao sugerir curas milagrosas para doenças graves como o câncer”, disse José Eduardo de Azevedo, membro do Coletivo SOMOS.
A denúncia, destacou o Coletivo, está fundamentada na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e no Código Penal e ressalta a gravidade das violações pois os vídeos têm ampla circulação nas redes sociais.
O Ministério Público do Tocantins (MPTO) informou que recebeu, via Ouvidoria, a representação acerca da possível prática de violação aos direitos fundamentais. A reclamação foi encaminhada, na forma de notícia de fato, para a 15ª Promotoria de Justiça da Capital, que atua na área de defesa dos Direitos Humanos Fundamentais e Minorias. Na sexta-feira (6) o MPTO informou que o caso tramita dentro dos prazos.
Pastor nega possível 'cura gay' e homofobia
O pastor Luiz afirmou, durante entrevista ao g1, que não tem nada contra a comunidade LGBTQIA+ e que a própria igreja evangélica é frequentada por pessoas desse público.
"O que aconteceu lá não foi cura, uma cura gay como estão dizendo, uma cura homossexual. O vídeo está cortado, eu tenho o vídeo completo. E assim, na minha igreja, talvez ninguém sabe, tem casal de homossexual é meu amigo, eu tenho acho que cinco ou seis homossexuais na minha igreja. Então, tipo assim, eu não sou um pastor homofóbico como estão dizendo. Eu não postei para ganhar like nem nada. E na nossa igreja nós respeitamos todo mundo", se defendeu.
O pastor também explicou que o vídeo está sendo tirado do contexto que realmente ocorreu. "Estão desvirtuando a coisa, estão estão jogando pro outro lado. Eu não tenho tenho nada contra ninguém. E a minha defesa que eu falo pra vocês é que eu não fiz nada de errado".
Após oito horas da publicação do vídeo com a adolescente, Luiz acabou excluindo o vídeo, e explicou que tomou essa decisão por causa da repercussão.
"Estava tendo muito comentário negativo, né? Muito comentário negativo, tem gente falando besteira e tal, aí eu fui e apaguei. Só que o vídeo foi postado com a autorização do pai, da mãe, da menina e de todo mundo. Inclusive eles se pronunciaram. Eu tenho o vídeo deles se pronunciando e se quiser procurar eles também pra falar, eles falam e são felizes, a menina está uma benção", ressaltou o pastor.
Sobre a questão de ter dito a expressão 'tirar o demônio', Luiz explicou que se referiu a tirar o demônio de dentro do quarto da adolescente, mas que, segundo ele, não apareceu no vídeo por causa da edição feita pela própria igreja para a postagem nas redes sociais.
"Quando eu falo do demônio é de dentro do quarto dela que ela não estava dormindo direito. Não é nada a ver do demônio de homossexualismo que povo está falando não. Aí o demônio estava dentro do quarto dela, tirando a paz dela. Ela não dormia direito há muito tempo. Tudo que eu estou falando eu tenho o vídeo completo", disse.
Com relação à expressão de que a menina iria usar apenas roupas femininas, Luiz não negou a fala, mas explicou que foi uma queixa da menina e dos pais.
"No vídeo fala assim, ela queria cortar o cabelo curto igual o meu e usar roupa de homem. Inclusive quando ela chegou da escola no outro dia, ela arrancou todas as roupas de homem e está usando está usando roupa de mulher agora, entendeu?", afirmou.
Questionado sobre a repercussão negativa, o pastor Luiz afirmou que não esperava a quantidade de comentários condenando o vídeo com a adolescente. "Eu estou mal com essa situação. Não estou feliz. Não dormi direito. Eu tenho ameaça de morte aqui, de gente querendo vir na minha casa para me matar", lamentou.
Com relação à denúncia do Coletivo SOMOS, o pastor explicou que vai esperar ser notificado para poder dar as explicações necessárias.
"Eu acho que não tem nada ali que vai acabar me afetando, afetando igreja não. Eu acho, na minha opinião, mas se eles quiseram fazer, amém. Deixa eles fazerem. A Justiça está aí pra isso, né? Eu não me preocupo não. Eu fiquei chateado só por conta dos falatórios mesmo, mas em questão da justiça, não", ponderou.
Com relação à denúncia de curandeirismo, o pastor Luiz também negou que a prática, afirmando que a medicina e a fé curaram a fiel. "Eles procuraram a medicina depois da oração e ela está curada. Ela vomitou no altar depois fez o exame e está curada. O que nós vamos questionar?", destacou, afirmando que não desencoraja nenhum dos fiéis a tomarem medicamentos se são necessários.